6.7.11

Miopia de branding

Héber Sales


Muitas marcas sofrem de miopia de branding. Não enxergam a sua importância na vida simbólica e social dos consumidores. Com isso, perdem uma excelente oportunidade de conquistar as pessoas pela emoção - e, como todo nós sabemos, a emoção pode ser bastante generosa, produzindo muito mais valor de marca do que meros benefícios funcionais, tão fáceis de copiar hoje em dia.

A propósito, os benefícios de uma compra qualquer raramente são somente funcionais. Há sempre uma dimensão simbólica, às vezes tão implícita que muitos nem a percebem.

Por exemplo, lembrar apenas do excelente sabor de um espresso é ignorar os significados da "hora do cafezinho" na nossa cultura. O caso do Café Feito a Grão é bastante didático.

A missão da marca é "oferecer o melhor momento do dia" aos seus clientes. O que a "hora do cafezinho" tem a ver com isso? Muita coisa além do excelente sabor dos café gourmet servido nas lojas do Feito a Grão. Uma breve análise etnográfica permite-nos estabelecer claramente a relação. Basta interpretar o ritual da "hora do cafezinho" na nossa sociedade.

Breve nota etnográfica sobre a "hora do cafezinho"


Antes de qualquer coisa, é importante lembrar que frequentar cafeterias é uma experiência tipicamente urbana. E de cidades maiores, onde está historicamente associada a classes intelectuais, artísticas, políticas e businessmen. É muito raro, talvez impossível, encontrar uma cafeteria numa cidade pequena, interiorana - muito menos uma cafeteria gourmet como o Feito a Grão.

Mas se bebe muito café no interior. Bebe-se nas casas, quando se recebe visitas por exemplo. É um convite para passar mais tempo juntos. Um sinal de camaradagem, de intimidade. Desejo de uma conversa mais pessoal e relaxada - conversas tensas não combinam com a "hora do cafezinho".

Conversas delicadas, sim. Aí o cafezinho é um meio para deixar as pessoas mais à vontade: a "hora do cafezinho" é uma hora íntima, de confidência entre amigos que se sentem livres para falar o que pensam e sentem de verdade sem serem mal interpretados.

Na "hora do cafezinho", as pessoas podem divagar, podem falar distraidamente, pois até os assuntos mais sérios serão ouvidos no registro da informalidade. Não se lavra em cartório o que é dito na "hora do cafezinho".

Nem se coloca em pauta. A pauta está no domínio da organização formal; o cafezinho, no da organização informal. Chamar um colega de trabalho para tomar um café tem aquele mesmo gosto de confidência sem compromisso da "hora do cafezinho" no interior. No cafezinho das empresas, as diferenças hierárquicas são suspensas. Ali ninguém deve posar de chefe.

As coisas mais sérias são ditas na "hora do cafezinho" sem serem levadas muito a sério. É um ícone da livre expressão e da tolerância, que, como bem sabiam as vanguardas artísticas que se reuniam nos cafés parisienses, estimula a criatividade e deixa as pessoas mais à vontade para serem como quiserem ser.

O melhor momento do dia no Feito a Grão


O Feito a Grão é especializado em cafés especiais ou gourmet. E "Café gourmet" no Brasil carrega também aquele sabor da "hora do cafezinho". Inevitável. É sofisticado, mas casual. Casual chic, como o próprio Feito a Grão.

Não é à toa que a marca existe para "oferecer o melhor momento do dia" aos seus clientes, percebem? Os seus fundadores intuíram muito bem o valor simbólico e social da experiência de frequentar uma cafeteria no Brasil, e estabeleceram uma missão coerente com os significados do "Café" e da "hora do cafezinho" na nossa cultura. Um passo importantíssimo para evitar a miopia de branding.


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Um comentário:

  1. Bem pontuado, Héber. E acrescento que o simbolismo inerente não emana apenas de atos de consumo propriamente dito.

    Se estamos sempre representando um papel, como diz Waly Salomão em sua Falange das Máscaras, o tom de voz, o vocabulário, a mundivisão é determinada pela máscara que estamos a usar, a fim de legitimá-la.

    Sendo o Branding a forma mais eficiente de colocar as marcas nesse samba de crioulo doido que chamamos de "formação identitária", essa miopia de Branding pode, ao meu ver, ser também chamada de cegueira de mercado.

    Adequando isso ao caso que você citou: cafés existem centenas em Salvador. Dessas centenas, uma boa parte deve ser pensada pelos seus proprietários como locais leves, descontraídos, informais.

    No entanto, quantos trabalham esses valores como parte de sua imagem? De cabeça, só me lembro do Feito a Grão. Dessa forma, perdem uma possibilidade e tanto de estabelecer diferenciais significativos com relação aos concorrentes.

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