17.10.12

Autoridade cultural de marca nas mídias sociais

O branding hipercultural possui um outro dicionário. Alguns conceitos clássicos são revistos e, em alguns casos, ampliados ou corrigidos. É o que acontece a uma palavrinha muito badalada no marketing: posicionamento.


Os limites do Posicionamento de marca

Que uma marca se constrói por meio de diferenciação semântica, eu não tenho dúvidas (para ser mais exato, por oposição semântica).

A H2O, por exemplo, lançou uma nova categoria de produtos posicionando-se como uma bebida "leve" em oposição ao refrigerante "pesado", que engorda e faz mal à saúde.

Em sua origem, no entanto, a noção de posicionamento, conforme lançada por Al Ries e Jack Trout, enfatiza muito pouco um fato elementar: oposições semânticas são fenômenos culturais e não apenas cognitivos.

O "leve" da H2O faz mais sentido no mundo atual porque, culturalmente, os refrigerantes tradicionais passaram a ser vistos como algo nocivo à saúde.

Nem sempre foi assim. A perda de prestígio da categoria aconteceu na medida em que a nossa sociedade passou a enxergar a saúde de outra maneira, associando-a a um perfil mais atlético e enxuto.

A mania começou nos anos 1970. Na década seguinte, o Brasil assistiu o boom das academias e da geração saúde.

Antes disso, o lançamento de uma "água gaseificada com sabor de fruta" repercutiria muito pouco. Talvez fosse até um fracasso, pois a sociedade não valorizava o estilo de vida celebrado pela H2O hoje.


Uma questão de percepção e autoridade cultural

Uma das premissas mais interessantes do conceito de posicionamento é insistentemente repetida pelos seus autores: mudar a percepção das pessoas é uma missão (quase) impossível.

De fato, é mais fácil lucrar com uma nova categoria de refrigerantes que não use esse nome, "refrigerante", do que ter sucesso com um refrigerante light que estampe o nome Coca-Cola ou Pepsi-Cola em seu rótulo.

A fama de bebida nociva está tão associada a essas marcas que logo alguém acharia um outro mal que o líquido poderia carregar. De fato, todos nós já ouvimos falar algo do tipo: "não engorda, mas a sua química causa tais e tais doenças".

Pois é, a Pepsi fez muito bem em usar outro nome (H2O) ao lançar uma nova categoria de bebida refrigerante refrescante, já que a marca Pepsi não tem autoridade cultural para falar de coisas saudáveis.


Como construir a autoridade cultural de marca

Uma marca adquire autoridade cultural por meio de sua identificação com determinados padrões culturais.

A H2O fez isso de várias maneiras. Há uma recorrência de elementos culturalmente associados à noção de uma bebida "leve", a começar pelo nome e as cores da embalagem.

Ao ser lançada como "água", a bebida diferenciou-se de um líquido industrial, cheio de corantes, estabilizantes e outros elementos artificiais (a H2O é o "natural" em oposição ao "artificial").

Mais uma vez: tal posicionamento não funcionaria tão bem nos anos 1950, por exemplo, onde bacana era ser "artificial" como os Jetsons.


Como destruir a autoridade cultural de marca

Outro exemplo bem instrutivo é o da cerveja Devassa. Sua mensagem central, "todo mundo tem seu lado devasso", tem tudo a ver com movimentos culturais bastante festejados hoje em dia pela imprensa (a marcha das vadias por exemplo).

A marca poderia ter se transformado em um ícone da contra-cultura, um All Star das cervejas, mas falhou em um ponto crucial: faltou-lhe autenticidade.

A começar pela escolha de Sandy como garota propaganda. A ideia dela assumir seu lado devasso não colou pelo simples fato de que ela não o assumiu.

Os amadores trataram de descontruir a farsa. Pipocaram paródias no Youtube e o buzz em outras mídias sociais também foi forte. Em resumo, a maioria dos comentários criticava e "trolava" a falta de jeito da Sandy para o papel.

A própria cantora teria confessado, depois de ter gravado o comercial, que não gosta de cerveja.

Assim fica difícil construir uma marca-ícone!

Se por um lado, a Devassa ganhou pontos em consciência de marca, um fator muito importante para criação de valor de marca, por outro ela falhou no quesito associações de marca.

O saldo não foi tão bom quanto poderia ser - bom mesmo seria se tornar muito conhecida pelas suas qualidades e não por ter virado uma piada popular, não é?


Autoridade cultural de marca na era das mídias sociais

Hoje em dia está muito mais difícil adquirir autoridade cultural de marca, pois a vigilância e a crítica social é muito mais intensa.

O discurso de uma marca pode ser descontruído de uma hora para outra por um viral produzido no quarto de uma adolescente hiperconetado.

Por isso, antes de definir a linha editorial de um blog ou de uma fan page, é indispensável analisar o buzz em torno da marca e verificar, do ponto de vista do consumidor, os assuntos sobre os quais ela tem autoridade cultural.


O caso da Le biscuit nas mídias sociais

Os comentários sobre a Le biscuit, por exemplo, revelam que, na cabeça dos consumidores, a marca está associada à experiência de criar você mesmo algo que expresse seu carinho e amor pelas pessoas queridas.

Este depoimento ilustra bem como a maioria das clientes veem a marca:
"Como eu adoro mimar minha casinha e, principalmente, minha cozinha, não podia deixar de agradá-la. Comprei umas pestiqueiras lindinhas na Le Biscuit do Salvador Shopping. Essa loja é a the best para essas coisinhas de casa. Ói que graça" (comentário de uma mulher em foto publicada por ela no Facebook).
A palavra-chave aí é mimar. Eis o motivo que leva muitas pessoas às lojas da marca. É o lugar favorito de quem precisa dar um toque pessoal a um presente, a uma festa ou à decoração da sua casa.

Mais do que isso: a marca é vista como uma amiga que nos acompanha nas compras e nos ajuda a escolher o melhor. "Para milhões de momentos, lembro da Le Biscuit... Tenho a Le Biscuit como parceira em minha vida seja qual for o momento que compartilho", declara uma cliente.

Os homens reconhecem o apego de suas namoradas e esposas para com a marca. "Acabei de descobrir o habitat natural de minha esposa. Le Biscuit. A loira tá mais feliz do que pinto no lixo", comenta o marido surpreso.

O motivo de tanta alegria é evidente em vários blogs femininos. Via de regra, são textos com comentários sobre como, com achados na Le Biscuit, a autora conseguiu criar e produzir objetos muito expressivos.

"Essa caixinha eu comprei na Le Biscuit e o pacotinho com 10 não chegou a R$ 8,00. Foi só colocar um lacinho e olha como ficou fofa. Quando juntarmos todas rosas e azuis na mesa vai dar um efeito lindo", vibra a blogueira ao comentar a produção fotografada.

Experiências do tipo são relatadas frequentemente na internet, sempre com entusiasmo. Afinal de contas, poucas coisas empolgam mais os nativos da cultura do consumo pós-moderno do que poder se expressar criativamente e comunicar seu gosto individual.

Mais sintonizada com essa tendência do que os demais players do setor, a Le Biscuit esbanja competitividade onde mais interessa: na mente das pessoas. "Comprei na Le Biscuit", comenta um internauta sobre palitos de silicone coloridos, "que é tipo uma Americanas, só que mil vezes melhor!".


Consciente da autoridade cultural que o público lhe atribui, a marca vem explorando o tema no conteúdo produzido para mídias sociais. Vejam, por exemplo, estas dicas para montar seu próprio Angry Birds com materiais reciclados.

A Le biscuit tem a matéria-prima necessária para se tornar uma marca-ícone. Agora precisa dar um passo adiante e construir uma forte rede social de marca. Neste artigo, explico em detalhes como funciona a abordagem. Quem trabalha desenvolvendo estratégias para mídias sociais não pode deixar de ler.

2 comentários:

  1. Excelente artigo, excelente escolhas dos cases para ilustrar o pensamento.
    Não é possível realizar um trabalho consistente de comunicação(seja atuando em mídias tradicionais ou nos ambientes digitais) sem a compreensão dos conceitos básicos de marketing.

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  2. Concordo, Bruno, sem a compreensão dos fundamentos enxergamos muito menos.

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