11.12.11

A nova classe média e o branding hipercultural

A mobilidade social registrada no Brasil nessa última década é um prato cheio para o branding hipercultural.

Maior poder de consumo, mais acesso a produtos e serviços dos "sonhos" e, ao mesmo tempo, pouco avanço na qualidade de vida é uma contradição que provoca tensões nos projetos de identidade da nova classe média.

A revista Veja desta semana traz pesquisa exclusiva sobre o comportamento e as expectativas desse público em relação a várias questões.

Marcas com foco na nova classe média deveriam refletir sobre elas para melhor sintonizar os mitos de identidade promovidos em sua comunicação aos anseios existenciais desses cidadãos.

Em minha leitura do especial da Veja, procurei destacar alguns pontos de maior interesse para os profissionais de marketing, relacionando-os à conjuntura econômica do país, a pesquisas sobre a recepção da novela Fina Estampa e à abordagem do branding cultural.

Quem é a nova classe média

A pesquisa refere-se àquelas famílias que ascenderam das classes D e E para a classe C. Foram cerca de 32 milhões de pessoas que, segundo o Critério Brasil, hoje possuem renda média mensal entre R$ 1.128,00 (classe C2) e R$ 1.710 (classe C1).

O risco do crescimento frágil

Um dos artigos do especial da Veja foi escrito por Nelsom Marangoni, psicólogo e diretor-presidente da MC15, consultoria de pesquisa de mercado.

Para ele, o maior poder de consumo da nova classe média se deve mais à facilidade de acesso ao crédito do que ao crescimento da renda.

Apesar de haver melhores salários e menos desemprego, a concentração de renda se manteve inalterada desde o ano 2000, quando "aproximadamente um terço da população era detentora de dois terços da renda familiar nacional e dois terços da população mais pobre tinha apenas um terço da renda disponível".

De fato, de 2000 a 2009, a classe B2 foi a que experimentou maior aumento de renda, e o mercado de luxo tem um crescimento previsto de 30% para este ano.

Obstáculos à ascensão social continuada

Para sustentar seu progresso, a nova classe média precisará superar alguns desafios:
  • O crescimento da inadimplência aponta para a necessidade de reduzir o nível de endividamento, ajuste que já parece ter se iniciado, pois a demanda do consumidor por crédito caiu pelo terceiro mês consecutivo; 
  • Quanto aos ganhos de renda, não há muito esperança a curto prazo: a economia brasileira parou de crescer no terceiro trimestre, o emprego na indústria recuou pela primeira vez desde janeiro de 2010 e inflação alta tem reduzido o aumento salarial; 
  • No que se refere à qualidade de vida, ainda é grande o fosso entre a nova classe média e as classes de maior renda - apenas 48% da classe C se declara satisfeita com sua qualidade de vida, índice significativamente inferior aos registrados na classe B (59%) e na classe A (68%).

Tensão em torno da qualidade de vida

Sair das classes mais baixas não é apenas uma questão de poder consumir mais, mas também ter acesso a novas oportunidades educacionais, culturais, de lazer, de emprego e de saúde.

Para conquistar empregos de melhor nível, é preciso se capacitar e bem, pois a competição é dura. Ensino de qualidade ainda é um privilégio para a nova classe média. 49% dos seus filhos estudam em escola pública, 37% não estudam e apenas 27% estão matriculados em escola particular, lugar onde estudam 49% dos filhos da classe B e 68% da classe A.

No que se refere ao tempo de estudo, há um atraso considerável: apenas 14% da classe C possui ensino superior completo, índice que na classe B atinge 29% e, na classe A, 35%.

O cientista político Bolívar Lamounier, coautor do livro A Classe Média Brasileira, pondera: o grupo social emergente dependerá muito mais do emprego privado do que do emprego público e não há postos de boa qualidade para todos.

Empreender seria uma alternativa, mas nem sempre é uma saída, pois, além de também exigir boa qualificação profissional, esbarra num "estado hostil, ou indiferente, muito pouco amigo dos pequenos negócios".

Baixa percepção de ascensão social

A dificuldade de acesso à educação de qualidade, a novas oportunidades culturais, de lazer, de seguridade social e de saúde podem explicar o fato da nova classe média ter pouca consciência de seu progresso social.

66% dos entrevistados pela pesquisa declaram que seu poder econômico manteve-se no mesmo nível ou caiu nos últimos 5 anos. 48% imaginam-se na classe D ainda.

A reportagem da Veja flagrou um diálogo bastante representativo das contradições vividas pela nova classe média. Em um determinado momento do almoço domingueiro de uma grande família da nova classe média, um sobrinho questionou o tio: "Classe média mora no extremo leste da periferia?". "E pobre tem carro?", rebateu outro.

O novo consumidor

O debate familiar não deve, porém, nos levar à conclusão de que o novo consumidor está de olho no rico. "Ela tem orgulho de sua origem e está criando um padrão próprio de consumo", alerta Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular, instituto de pesquisa especializado nesse público.

A nova classe média permanece valorizando a família e os filhos, mas agora também dá atenção aos seus desejos pessoais, buscando prazer e qualidade de vida.

O consumo está voltado para a eliminação ou a redução de carências e a sobrevivência deixou de ser o único objetivo, informa Nelsom Marangoni. Comprar é agora um evento social e de lazer, no qual a participação da família é relevante.

A nova classe média quer produtos e serviços de qualidade por preços razoáveis. O foco está na relação custo-benefício, e não no preço baixo.

A aparência pessoal transformou-se também num instrumento de inclusão social, especialmente entre as mulheres, assim como o fato de estar conectado, privilégio muito valorizado pelos jovens de classe C, pois atende ao objetivo de estar mais bem informado e proporciona um sentimento de pertença a um determinado grupo - 84% dos seus lares já têm acesso à internet segundo a pesquisa.

No que se refere à educação, o "preparar-se" tem um sentido de urgência, ao contrário do que acontece nas classes superiores, que encaram a formação profissional como um investimento de mais longo prazo.

Mitos e verdades sobre o branding voltado para a classe C

O especial da Veja apresenta também pesquisa da agência AlmapBBDO sobre como a publicidade deve abordar a nova classe média.
  • O novo consumidor foi criado assistindo publicidade sofisticada e entende a sua linguagem, e anseia por uma estética moderna e alegre, de bom gosto e inteligente; 
  • A classe C não está atrás do status da classe A e não se espelha nela, apesar de desejar ter melhores condições financeiras - prefere uma publicidade centrada nas vantagens reais do produto e na relação custo-benefício; 
  • Esse público não quer sair de seu bairro, de perto de sua família e da rede social que o ajuda a crescer - demandam ações que valorizem e melhorem a vidas das suas comunidades; 
  • Com a nova classe média funciona melhor a imagem de uma corrida do que a de um pódio - ela está vivendo uma fase de entusiasmo e de busca diante das novas possibilidades.

A nova classe média na TV

As conquistas e ansiedades da classe ascendente está na ordem do dia. Chegou ao horário nobre da TV na pele de Griselda, protagonista da novela Fina Estampa.

Os grupos de foco realizados pela Globo a respeito da personagem são reveladores sobre o projeto de identidade cultivado pela nova classe média. Griselda é um modelo elogiado pela sua honestidade, dedicação ao trabalho, à família e pela firmeza na educação dos filhos.

Um exemplo para brasileiros remediados que subiram na vida mas não desejam negar nem se desligar de suas origens e do seu credo conservador - 80% deles apóiam a proibição de bebidas alcoólicas para menores, 45% são a favor do divórcio e apenas 22%, da legalização do aborto, informa a pesquisa da Veja.

Mitos de identidade para a classe C

Griselda é um mito de identidade para a nova classe média. Ela encarna uma fórmula existencial capaz de atenuar os conflitos e as tensões sócio-culturais vividos por esse estrato da população.

É o tipo de história que as marcas dedicadas à classe C poderiam estar contando para se conectar mais fortemente ao novo consumidor, se elas praticassem branding hipercultural.

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