21.1.18

Liberdade de expressão e apologia na arte

Héber Sales

Intervenção de Banksy em New York (2013)

O Rodrigo Cássio Oliveira, filósofo e colunista do Estadão, é uma das pessoas com quem mais aprendo hoje em dia nesse debate sobre arte e liberdade de expressão, embora, conforme ficará claro mais adiante, eu tenha algumas ressalvas às teses dele.

Antes, porém, para melhor entendimento do que escrevo neste post, recomendo a leitura prévia de dois textos dele: MC Diguinho e as contradições da esquerdaLiberdade de expressão: respostas a algumas objeções.

De um modo geral, concordo com o seu argumento de que a busca por "espaços seguros" tende a descambar para um autoritarismo repleto de preconceitos sobre o outro.

Também admito que é um equívoco subordinar juízos estéticos a juízos morais, embora não por motivos ontológicos, mas sócio-históricos. Explico-me a seguir.

Não vejo como separar completamente uma coisa da outra, pois, assim como argumenta Bakhtin, considero que arte, religião, ciência, direito, política, etc, são parte da unidade da cultura humana e tornam-se campos peculiares justamente pelos contrastes que há entre eles dentro de tal unidade.

Assim, enxergo que a grande autonomia que a arte têm hoje é uma conquista social, política e histórica da criatividade humana, que se manifesta também no discurso da vida, do cotidiano, onde as pessoas exercem sua liberdade por meio de jogos de linguagem cheios de paródias, ironias, metáforas, dentre outros, isto é, afastando-se da ditadura da literalidade e desafiando as forças centrípetas que negam a diversidade e o livre arbítrio humanos.

A propósito, a existência da literalidade pode ser questionada aqui. Parece-me, na verdade, um conceito eivado de ideologia. Precisamos lembrar então de estudos linguísticos que vêem toda a linguagem humana como sendo de natureza metafórica, a começar pelo já citado Bakhtin e seguindo com Barthes, dentre outros.

Outro ponto que ainda acho válido discutir é o uso do modo imperativo em discursos persuasivos. Na propaganda, por exemplo, há estudos que indicam a força do imperativo, como também há pesquisas que apontam para a importância do poético no trabalho de influência (o João Carrascoza, em seus livros sobre redação e estratégias criativas na publicidade, escreve bastante sobre essa diferença entre o discurso apolíneo e o discurso dionisíaco).

Aliás, a a linguagem figurada é um recurso empregado abundantemente em livros sagrados bastante persuasivos como a Bíblia, o Alcorão, os sutras, além de narrativas mitológicas que fazem parte da construção social da realidade de muitos povos (os gregos na época de Homero por exemplo).

Enfim, não é preciso ser literal, nem imperativo, para exercer uma influência profunda sobre as pessoas - talvez seja o contrário disso.

Segundo interpreto, nos textos, o Rodrigo, reconhece a dimensão social da arte e do entretenimento enquanto manifestação estética. É o que ocorre quando ele menciona a base social a partir da qual o funk se apresenta como uma manifestação estética, aspecto que merece mais consideração no debate público que há hoje em dia sobre o tema.

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